Parte 1 - Quem define inteligência artificial?
Início de uma série de textos sobre inteligência artificial com foco em audiovisual no Brasil.

Inteligência artificial é um fato.
Na quarta, 14/08, apresentamos um painel no Conexões Gramado Film Market e trouxemos algumas informações e provocações para o setor audiovisual sobre a inteligência artificial.
Fomos provocados a falar sobre o assunto pela organização do Conexões, que sentiu que o clima estava “um pouco tenso” em relação à IA e que o assunto deveria ser mais explorado.
Nossa fala teve uma repercussão bastante positiva, então decidimos fazer uma série de textos sobre o assunto, iniciando com este! A cada texto, exploraremos algum aspecto da IA para nos aprofundarmos cada vez mais nesse assunto que parece um tanto místico.
O primeiro passo para lidar com o desconhecido é procurar conhecê-lo. Parece um pouco óbvio, mas não é. Com a IA já queremos partir para as suas aplicações logo de cara e ver como ela pode melhorar a nossa vida, sem nos preocupar em entender um pouco melhor como ela funciona. Por isso, vamos dar um passinho para trás e começar pelo começo: o que é inteligência artificial?
A inteligência artificial é uma “general purpose technology” (GPT), ou seja, uma tecnologia de propósito geral, que tem aplicações em inúmeras áreas e, por isso, um alto potencial de transformação das nossas vidas. Hoje, estamos vivendo um contexto em que cinco GPTs estão sendo desenvolvidas ao mesmo tempo. A última vez em que isto ocorreu foi no início do século XX, com a eletricidade, o automóvel e o telefone. Ou seja, precisamos lidar com a IA. Mas o que isso significa?
Definir inteligência artificial é uma tarefa um tanto filosófica. Ainda mais se formos por um caminho de definir o que é inteligência e o que é artificial. Mas não vamos por aí. A maneira mais relevante que encontrei de definição de IA foi da autora Kate Crawford, no livro “Atlas of AI”, que adverte que:
Cada maneira de definir a inteligência artificial está colocando uma moldura de como ela será compreendida, medida, valorizada e governada.1
Ou seja, a definição de IA depende de quem está a definindo. Se são empresas que a vendem como um produto, ela será uma solução para os seus problemas. Se são programadores de código, o algoritmo terá prioridade em relação às questões éticas, por exemplo, e assim por diante. Assim, Crawford chega à conclusão de que:
Inteligência artificial é tanto incorporada quanto material, feita de recursos naturais, combustível, força de trabalho humana, infraestrutura, logística, histórias e classificações. Sistemas de IA não são autônomos, racionais ou capazes de discernir nada sem um treinamento extensivo, computacionalmente intensivo com grandes conjuntos de dados, regras e recompensas pré-definidas. Na verdade, a inteligência artificial como nós a conhecemos depende inteiramente de amplas estruturas políticas e sociais. E, por causa do capital necessário para construir IA em escala e pelas formas como ela otimiza, os sistemas de IA são, no fim, concebidos para servir interesses dominantes já existentes. Neste sentido, inteligência artificial é um registro de poder.1
Ou seja, inteligência artificial não é apenas uma tecnologia e muito menos apenas um produto que irá nos substituir. Ela é uma ferramenta estratégica que já está sendo usada por algumas empresas e da qual precisamos nos apropriar e usarmos em nosso favor, antes que ela seja usada contra nós.
Semana que vem teremos a PARTE 2, que abordará um pouco mais sobre os diferentes tipos de IA.
1 Tradução livre dos trechos:
Each way of defining artificial intelligence is [...] setting a frame for how it will be understood, measured, valued, and governed”
Artificial intelligence is both embodied and material, made from natural resources, fuel, human labor, infrastructures, logistics, histories, and classifications. AI systems are not autonomous, rational, or able to discern anything without extensive, computationally intensive training with large datasets or predefined rules and rewards. In fact, artificial intelligence as we know it depends entirely on a much wider set of political and social structures. And due to the capital required to build AI at scale and the ways of seeing that it optimizes AI systems are ultimately design to serve existing dominant interests. In this sense, artificial intelligence is a registry of power.
Fonte:
Livro: CRAWFORD, K. Atlas of AI. New Haven and London: Yale University Press, 2021.
Vídeo: Why AI Will Spark Exponential Economic Growth | Cathie Wood | TED